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sexta-feira, 3 de junho de 2011

Amigo de aluguel



Alguns dias atrás, lendo o jornal, deparei-me com um anúncio curioso nos classificados. Um daqueles grandes, diferenciados, que de imediato tomou minha atenção, ainda mais quando li que o serviço oferecido era o de personal friend, ou amigo de aluguel, se preferir. Nos dias que se seguiram pude perceber que a prática -até então por mim desconhecida- tem se popularizado, e o número de adeptos já não a caracteriza como um caso isolado, mas sim como um exemplo contundente das relações interpessoais de nossa época. O personal friend é um serviço idealizado para pessoas tímidas ou que tenham dificuldades em fazer amizades. Basta um telefonema para por fim aos momentos de angústia e solidão, pois o amigo de aluguel vai ao seu encontro, a qualquer hora e em qualquer lugar, para conversar sobre qualquer assunto, mesmo aqueles que não se conversa com ninguém. O encontro pode durar de cinquenta minutos a duas horas, e os preços variam de oitenta a trezentos reais. Cabe lembrar que as despesas do passeio, tais como alimentação e transporte, ficam a cargo do contratante. Com um pouco de imaginação é possível enumerar algumas situações em que a prestação desse serviço caia como uma luva; aquela vontade súbita de jogar buraco as três da manhã, as compras de véspera de natal no shopping center lotado ou mesmo o processo de renovação da carteira de motorista são três ótimos exemplos de atividades cuja realização torna imprescindível companhia, ainda que seja pagando. De cara achei uma ótima oportunidade profissional para pessoas com tempo e paciência de sobra. Do jeito que a coisa anda, muita gente aceitaria acompanhar um “mala” para faturar um troco e ainda ganhar a entrada do cinema e o lanche de graça. Não existe muita diferença entre essa forma de amizade e a tão difundida presença vip das celebridades nas festas e inaugurações Brasil afora. Pense bem: o artista chega no horário determinado, tira fotos com o dono da festa, ouve meia hora de conversa fiada, finge que conhece todo mundo, toma champanhe, belisca os canapés e sai de fininho, à francesa, com o bolso cheio. Talvez os primeiros casos de amigo de aluguel da história tenham ocorrido quando galãs de novela passaram a freqüentar festas de quinze anos. Não se sabe exatamente como essa moda começou, mas, desde os primórdios da televisão, jovens atores costumam incrementar suas rendas dançando valsa com debutantes abastadas. No dia da assinatura do contrato com a emissora convém já tirar as medidas do smoking para não perder nenhuma futura oportunidade. O traje a rigor pode custar caro, mas é investimento garantido.

Para os que não são famosos nem bonitos resta anunciar nos classificados e foi lá que encontrei o telefone do personal friend Carlos.

Achei que seria importante para o texto fazer contato com um desses profissionais a fim de compreender melhor como o serviço funciona. Dei vazão a minha porção jornalista investigativo e não hesitei em telefonar para o número indicado.

Carlos atendeu com voz cordial e simpática, condizentes com seu nome, que, aliás, havia me soado bastante amigável desde o princípio. Ele me perguntou se eu sabia como funcionava a amizade de aluguel, respondi que não, apenas para deixá-lo explicar. Pelas palavras empregadas percebi que o personal friend já deve ter sido confundido com outro tipo de acompanhante, o que me parece bastante compreensível.

Carlos foi atencioso porém distante, até porque, caso fosse muito receptivo pelo telefone, já estaria trabalhando sem receber. Fez perguntas genéricas apenas para assegurar que não tratava com um psicopata; quis saber o que eu fazia, quantos anos tinha. Disse que precisava deixar claro que não era psicólogo, mas que poderíamos conversar sobre o que eu desejasse. Informou que não aceitava cheques e que o encontro deveria ocorrer em local público. Prontificou-se a sugerir um lugar dependendo de onde eu morasse. Respondi que ainda precisava pensar sobre o assunto, agradeci e desliguei. Concluo que o amigo de aluguel pode ser uma boa opção para quem teve ou ainda tem problemas com amizades surgidas de maneira convencional. Empenhando algum dinheiro deve ser possível desenvolver cumplicidade, o que não chega a ser fato inédito quando se vive numa sociedade de consumo. O personal friend pode nunca chegar a ser um amigão de verdade, mas assim, às claras, pelo menos evita-se a decepção com um bando de amigo-da-onça solto por aí. A vantagem, nesse caso, é que a sinceridade pode ser acordada e garantida.